A SÉRIE QUE EU JÁ LI
Esta semana vamos só de Quadrinhos: vai ter a primeira edição presencial “pós”-pandemia da CCXP - ComicCon Experience, e o primeiro em que vou circular Quinta-feira do outro lado da mesa da Área de Artistas, como público [e de máscara o tempo todo que eu não quero dar mole]. Vai ser muito estranho pra mim entrar lá com ingresso de um dia e andar pelo pavilhão sem me preocupar em correr pra minha mesa e organizar tudo pra começar a vender. Talvez eu faça um relato a respeito, vamos ver.
Por hora, faço um apelo a quem vai: visite o Artists’ Valley e, se tiver condições, compre Histórias em Quadrinhos. A origem desse tipo de evento está nas HQs, nos livros e revistas que as pessoas criaram ao longo do ano - e dos últimos anos - pra desenvolver uma narrativa visual. Tem histórias de todos os gêneros, com roteiros e artes de estilos muito variados, com expressões e intenções variadas.
Claro, você deve estar suando de ansiedade pra ficar por horas numa fila pra ver os atores de séries vendendo o peixe da sua séria favorita da Netflix, ou os protagonistas de filmes de super-herói que vêm para dar pinta por cinco minutos. No entanto muitas dessas séries e filmes vieram de HQs, em grande parte melhores que suas adaptações. De fato, ali você vai encontrar uma imensidão de coisas pra ler, de mundos novos onde mergulhar, se divertir e se emocionar.
Passamos por quatro anos difíceis, em que a Cultura como um todo foi negligenciada e combatida pelo governo federal, dois anos desses em que eventos presenciais não puderam ocorrer e a renda de autores foi bastante comprometida. Qualquer item adquirido ajuda a bola a seguir rolando pra essas pessoas - que vão continuar a produzir e a maravilhar todo mundo.
TRIÂNGULO DAS PLAGIADURAS
Há alguns dias a quadrinista Mary Cagnin fez um fio de posts no Twitter sobre as semelhanças dos elementos da nova série da Netflix 1899 [lançada agora em 2022] e sua HQ BLACK SILENCE [lançada em 2016], que foi apresentada a várias figuras do mercado editorial alemão em uma viagem que a a autora fez à Feira do Livro de Gotemburgo.
As evidências parecem ser contundentes, e dá pra entender o quanto isso parece ter deixado ela abalada - como qualquer pessoa que trabalha com arte ficaria ao se deparar com seu trabalho sendo possivelmente plagiado. Este perfil fez uma longa lista com exemplos lado a lado; obviamente contém spoilers tanto da HQ quanto da série:
Como se pode ver pelo alto engajamento no post da Mary, muita gente viu e foi comentar nos perfis dos produtores da série [os mesmos de DARK]. Esses negaram a acusação, se colocaram como atacados pelo tribunal da internet e rebateram de uma forma bem ríspida, sobre tudo isso não passar de uma maneira de a autora tentar vender mais livros… de um quadrinho que há anos foi disponibilizado pela própria autora pra ser lido de graça na internet.
Foi plágio mesmo? Tenho a minha opinião, mas não cabe a mim dizer, talvez nem a ninguém além da autora e de um profissional de Direito Autoral. A Mary disse estar sendo assessorada juridicamente sobre o caso. Fiquei bem contente por ela e penso como teria sido legal se os produtores não tivessem tido nem tempo de se vitimizar nas redes sociais e simplesmente tivessem se surpreendido com o processinho.
Isso não é juízo de valor sobre nenhuma das obras. O único juízo que faço é de influenciadores de Cultura Pop - e seus seguidores - cujo primeiro impulso foi correr pra defender empresas estrangeiras milionárias. Já é difícil o suficiente pra quem vive de arte no Brasil sem ter sua voz e suas dores menosprezadas. Não ajuda quando vem um pisão de quem podia estar cutucando mais pra cima. Escolhas e prioridades.
[esse texto ia descambar pra um caminho mais longo sobre algumas coisas que me incomodam demais no nosso meio, mas vou deixar pra outra ocasião que agora o foco da questão é outro.]
Pra apoiar o trabalho da Mary é só ir na loja online dela [não estará na CCXP este ano]. Outra forma de conhecer e apoiar seu trabalho é assistindo e curtindo os vídeos que ela posta no Youtube sobre o processo criativo das suas HQs e também das lindas ilustrações em aquarela.
OLHE PARA O LADO
A Conrad tomou uma iniciativa muito legal e criou o selo HQ Para Todos, com revistas em preto e branco a R$ 9. Na próxima CCXP vai estrear MAYARA & ANNABELLE E A CARRETA FANTASMA, e eu morri de rir com a capa - e contracapa - que o Talles Rodrigues fez pra ilustrar a nova HQ das meninas com roteiro do Pablo Casado e argumento de ambos.
O lançamento também serve de ponto de partida pra novos leitores e uma aventura nova pra leitores que já conhecem a obra completa [que tem uma pequena porém orgulhosa contribuição deste que vos fala, em HORA EXTRA - junto com a Camila Torrano].
Além dessa revista, a dupla vai ter esse item de merchandising, que segundo o Pablo “oferece proteção contra leitura de pensamentos, controle mental, gaia e outras magias”:
Talles e Pablo vão estar na mesa C-31 do Artists Valley da ComicCon Experience. Procure pelos meus amigos lá e acompanhe as aventuras das meninas que conquistaram uma galera.
ELA SÓ QUERIA SER UM MENINO
Jesse é uma menina androide fabricada na Coreia do Sul. Ela roda um sistema de inteligência artificial programado de forma experimental e clandestina por Chul, um funcionário da fabricante.
O casal Bill e Suelynn compra Jesse para ser sua filha.
Em MADE IN KOREA, inicialmente uma minissérie da Image Comics e lançada como graphic novel no Brasil pela Conrad, Jeremy Holt [roteiro] e Gegê Schall [arte] criam a utopia de um mundo limpinho e ultratecnológico, em que as armas de fogo foram abolidas.
A arte de linhas claras hachuradas da minha amiga Gegê retrata cenários de arquitetura impressionante, sempre muito bem iluminados em cores vivas. Jesse é um prodígio: tomada por uma curiosidade imensa e gosto por livros, absorve tudo que pode, consumindo várias obras em questão de minutos.
Mas essa utopia traz embutida em si uma distopia, ou várias; nessa sociedade ninguém mais consegue ter filhos - por isso alguns pais, como Suelynn, se apegam de forma exacerbada às crianças artificiais. E nenhum privilégio se constrói sozinho: para essa família realizar seu sonho artificial, os programadores coreanos trabalham em um ambiente corporativo opressivo, sem dormir, à beira do colapso.
Chul, imbuído de um sentimento de paternidade “biológica”, sente que precisa contatar Jesse, partindo aos EUA como um Gepeto em busca de seu filho boneco. E, tal como Pinóquio, a androide só quer ser uma criança viva; então parte ela própria em uma aventura tensa que emula de forma muito sinistra um fato ocorrido em uma escola norte-americana do Colorado em 1999.
Em, MADE IN KOREA, Holt e Schall usam a alegoria da vida perfeita dos EUA moderno e da transhumanidade futurista pra abordar de uma forma muito dinâmica e sensível as alegoria que servem de discussão sobre adoção, imigração, choque cultural, luta de classes, identidade e questões de gênero.
A edição encadernada está disponível aqui, e com Jeremy e Gegê nas mesas C32-33 da CCXP; aproveite.
FALE COM ELA
Na área dos artistas dos eventos de HQ sempre tem roteiristas, gente que - pasme - “só” escreve Quadrinhos. Não vou conseguir listar todo mundo, mas só quero destacar a Larissa Palmieri na mesa C16, que adaptou ANNE DE GREEN GABLES e FRANKENSTEIN em Quadrinhos recentes. Além de estar vendendo suas obras, ela vai estar em um bate-papo no palco Ultra dia 3 [Sábado] às 15h30, entre as pessoas que debatem adaptações literárias.
Por hora é isso, obrigado por ler até aqui.
Em breve tem mais… ou menos; estou fazendo esses emails muito longos, haha.
Se cuide.
- Hector
http://linktree.com/hectorlima